Por Cecile Bibiane Ndjebet – 24 de julho de 2025
Cresci numa fazenda em uma região remota de Camarões, onde aprendi com minha mãe as condições necessárias para que plantas, colheitas — e as mulheres que cuidam delas — prosperem. Com o tempo, percebi que, para nossa família e vizinhos enfrentarem os efeitos das mudanças climáticas, precisávamos agir diferente.
As chuvas tornaram-se escassas, o calor aumentou, as plantações e o gado sofreram. Ao mesmo tempo, vi como as mulheres enfrentavam uma carga de trabalho enorme, além de cuidar dos filhos e sustentar suas famílias.
Foi isso que me motivou a fundar a ONG Cameroon Ecology, voltada ao engajamento de comunidades na gestão florestal, com foco especial na inclusão de mulheres em práticas agroflorestais.
A força da agrofloresta
Camarões abriga a segunda maior floresta da Bacia do Congo, uma das maiores reservas de carbono do mundo. No entanto, o país perdeu cerca de 173 mil hectares de floresta natural apenas em 2024, liberando mais de 109 milhões de toneladas de CO₂, segundo o Global Forest Watch.
Estudando agronomia na Universidade de Dschang, aprendi que a agrofloresta é a melhor forma de regenerar o solo, alimentar as famílias e proteger as florestas ao mesmo tempo. A prática consiste em integrar árvores e cultivos agrícolas no mesmo terreno, promovendo biodiversidade, saúde do solo e produção sustentável.
Ela se baseia em saberes indígenas e pode capturar até 34 toneladas de carbono por hectare por ano, superando muitas iniciativas de reflorestamento ou monocultura.
Mulheres, terra e tradição
Apesar de representarem cerca de 70% da força de trabalho agrícola em Camarões, as mulheres possuem menos de 1% das terras que cultivam. Sem direitos formais ou consuetudinários à terra, correm o risco de perder os frutos do seu próprio trabalho.
Descobri que, culturalmente, quem planta uma árvore e cultiva a terra é reconhecido como seu guardião legítimo. Então, usar a agrofloresta também se tornou uma forma de reivindicar o direito das mulheres à posse da terra, mudando normas sociais enraizadas.
Com esse entendimento, nossa ONG passou a articular cerimônias comunitárias, onde pais e maridos transferem formalmente a posse de terras a esposas e filhas — um processo que chamamos de “Lilagle”.
Impactos concretos
Com apoio do Prêmio Gulbenkian para a Humanidade (que recebi em 2023), expandimos nosso trabalho:
- 100 hectares de terra já foram formalmente atribuídos a 35 mulheres e meninas.
- O projeto cresceu de 6 para 18 vilarejos, com 256 mulheres liderando iniciativas de restauração.
- Plantamos mais de 60 mil mudas frutíferas em 16 viveiros comunitários e 12 mil árvores nativas em áreas degradadas.
- Lançamos uma frente de restauração de manguezais, com 20 mil mudas e quatro capacitações regionais.
- As frutas cultivadas (laranja, manga, pomelo, graviola) são mais nutritivas, resistentes e diversificadas do que em plantações convencionais.
No futuro, essas mulheres poderão gerar renda sustentável com a venda de frutas e sucos, promovendo autonomia financeira e segurança alimentar.
Um chamado global
As mulheres rurais de Camarões provaram que, mesmo com poucos recursos, conseguem transformar terras degradadas em pomares produtivos, proteger ecossistemas e mudar padrões culturais.
Mas para ampliar esse impacto, não basta o esforço local. Precisamos que a comunidade internacional reconheça, apoie e replique essas iniciativas.
Sobre a autora
Cecile Bibiane Ndjebet é ativista camaronense pelos direitos das mulheres à terra e aos recursos naturais. Fundadora da Cameroon Ecology em 2001, ela é reconhecida globalmente por seu trabalho e já foi laureada com prêmios como o Champion of the Earth (UNEP), Gulbenkian Prize, Wangari Maathai Forest Champion e a Medalha Internacional Kew.